NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS, os mercados (consumidor e de trabalho) mudaram de forma significativa, e já dão a tônica do que poderá ser o mundo pós-pandemia. A iminência de um novo cenário já traz mudanças significativas nos modelos do que se conhecia antes como ‘trabalho formal’.
Entre os principais motores de mudanças, segundoa administradora e professora da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) Salli Baggenstoss, estão a Quarta e Quinta Revoluções Industriais, a pandemia de Covid-19 e a formação de um novo perfil de consumidor. Este, preocupado com questões socioambientais, sobretudo o futuro do planeta, exige produtos como o selo ESG (que engloba boas práticas de governança corporativa e respeito ao meio ambiente e à sociedade). Outros fatores, como o isolamento social, o uso de novas tecnologias e a disseminação do trabalho remoto também modificaram o perfil do mercado laboral no Brasil. Surgiram até mesmo subdivisões como o Home Office e o Anywhere Office.
No primeiro deles, o Home Office, um funcionário trabalha de casa (mas precisa residir na mesma cidade da empresa). No segundo, Anywhere Office, ele pode exercer suas atividades de local mais distante, como outro estado ou país. Nova tendência Segundo pesquisa realizada em 2021 pela consultoria IDC, com 897 colaboradores de empresas brasileiras, 59% dos entrevistados afirmaram desejar o modelo híbrido (com parte presencial e parte em Home Office) por ser a melhor alternativa laboral.
O estudo também apontou que 43% deles disseram que o modelo híbrido já foi definido pelas empresas onde trabalham como sendo o novo padrão após a pandemia.
Para Salli Baggenstoss, a modalidade deve se consolidar como principal tendência após a pandemia, uma vez que traz benefícios tanto para a empresa quanto ao colaborador. Ela ainda destaca que a indústria possui sua exigência quanto ao trabalho presencial, porém a tecnologia já possibilita adaptação rumo ao trabalho não presencial.
Embora existam setores em que a atividade fim só pode ser exercida presencialmente — tal como no setor de limpeza, pintura ou obras —, ainda assim, a hibridização dos serviços deve acontecer em algum nível, segundo a professora. Há outros segmentos, no entanto, cuja modalidade deve ser mais facilmente desenvolvida, como na Educação.
“Há anos se discute sobre o ensino híbrido; mas agora o tema passou a ser sobre como ele será feito e qual é a maneira mais adequada de fazê-lo. O que se apresentava como padrão agora tem variações que, ao serem acatadas, poderão se transformar em estratégias com resultados positivos para as partes interessadas”, analisa.
Segundo Salli, outro assunto que deve ser abordado, no quesito educação, são as qualificações especializadas. Em sua visão, o Brasil aborda muito as qualificações e capacitações profissionais, focadas no chão de fábrica ou no setor operacional.
“Precisamos buscar segmentos que são tendências e focar mais nas áreas táticas, além de adequar a qualificação à nossa realidade. Antes, uma das barreiras do ensino era a distância, mas isso foi superado com a tecnologia; por isso, não há justificativas para não fazê-lo agora”, diz.
Legislação
Ainda que o tema “trabalhar em casa ou na empresa” esteja em alta, outras mudanças de cunho legal ou trabalhista também têm sido cogitadas pelas empresas brasileiras, segundo o administrador e pesquisador Wagner Martins. A principal delas é a terceirização de mão de obra para driblar a alta carga tributária.
Segundo Martins, para diminuir as obrigações sociais e a carga de impostos trabalhistas, grandes organizações estão contratando empresas menores — com um contingente menor de trabalhadores ou prestadores de serviço individuais — a fim de ficar livre de obrigações sociais e de passivos trabalhistas. O modo encontrado é legal e diminui o custo da folha de pagamento e no total de despesas da organização.
“A carga tributária para um colaborador no regime Simples Nacional é da ordem de 39,37%, e para os demais regimes varia entre 64,87% e 92,14%, dependendo do segmento, do tipo e da quantidade de pessoas contratadas. Se a indústria terceirizar a prestação de serviços para empresas menores, optantes do Simples Nacional, a redução de custos da indústria seria de, no mínimo, 25,5% em encargos trabalhistas”, relata. O administrador ressalta, no entanto, que em outros países (como Alemanha, China, EUA e França), a terceirização de serviços industriais básicos mal existe, em razão de a mão de obra ter sido substituída por robôs.
Isso, segundo ele, tira a competitividade das empresas brasileiras, o que torna necessária a mudança da legislação para acelerar a recuperação econômica.
Autonomia
Martins destaca, por outro lado, uma nova realidade: a daqueles que não têm emprego, nem ocupação fixa, mas sim trabalho. Ele dá como exemplo seu próprio caso, que é um profissional autônomo e tem mais qualidade de vida hoje do que antes (quando tinha emprego formal) e ganha mais que o triplo do que no passado.
A mudança, segundo ele, foi possível por meio de especializações, treinamentos e cursos que fez, além da prática profissional cotidiana. Desta forma, hoje ele consegue trabalhar menos, ganhar mais e dedicar mais tempo ao que chamou de ócio produtivo.
“Isso me faz agregar mais conhecimento para as minhas soluções. Hoje sou um artesão digital (trabalhador focado na era digital), e ‘autonomia’ é a palavra de ordem para as novas revoluções industriais, em termo de pessoas, formas de trabalho e metodologia”, finaliza.
FONTE: SANTOS, L. REVISTA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO, ANO 32 Nº 142 MAIO/JUNHO 2021 p.38-41.
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